JOSÉ
TADEU SILVA Ismael Gobi |
A "Folha
Espírita" conheceu em Araxá-MG o trabalho desenvolvido por
José Tadeu Silva, fundador das Obras Assistenciais "Casa do
Caminho", sediada na Rua Rio Grande do Sul, 618.
A instituição conta com o hospital-dia que atende cerca de cento e
trinta pacientes psiquiátricos, em
regime de semi-internação, e
duas alas de geriatria,
masculina e feminina, comportando quarenta internos cada.
As instalações, embora despojadas de luxo, são impecavelmente limpas e
denotam ambiente salutar. Ali
não se encontra nada fora do
lugar - os
jardins com suas cascatas são esplêndidos e suas flores naturais de beleza contagiante.
O Centro Espírita tem arquitetura interessante e merece ser conhecido.
Apesar da construção ser nova, executada em estrutura de concreto armado,
tem todas suas paredes revestidas
de adobe aparente e o piso em terra
batida. Tudo começou pelas mãos de um jovem, hoje com 44 anos,
Tadeu, nascido em Araxá, em
4 de janeiro de 1955, inspirado por sua mãe,
Luiza Salazar Silva, criatura que sempre teve por meta a prática da
caridade, uma virtude que o filho
herdou e busca cultivar em sua
forma mais pura. Simples,
atencioso, espírita consciente, Tadeu
prestou à "Folha
Espírita" algumas informações acerca de sua vida e das atividades
assistenciais e doutrinárias que desenvolve.
FE
- Explique-nos
sobre essa sua vocação para atender doentes.
"Aprendi a fazer esse trabalho quando minha mãe ia na periferia da
cidade para dar
banho em doentes e limpar as feridas,
e eu era seu
"secretário".
Interessante que quando ela fazia esse trabalho não era espírita e nem
católica. Ela não era muito amante do catolicismo e tinha muito medo do
espiritismo, o que era comum à época, mas
fazia esse trabalho sagradamente, todos os dias, e eu
a ajudava segurando as
pernas dos doentes para lavar as feridas. Acompanhei-a
em toda minha infância e boa parte da adolescência. Esse nosso
trabalho é uma ampliação daquele que ela fazia".
FE-
Fale-nos de seus pais.
"Minha mãe desencarnou muito nova,
e meu pai, também.
Ela desencarnou com câncer de mama, quando estava amamentando o
caçula, aos 45 anos de idade. Meu
pai, José Jovino Silva, ficou
acamado dois anos e quatro meses, e
eu continuei aprendendo com ele,
dando-lhe banhos, cuidando das feridas, das escárias e pondo
comida em sua boca".
FE
Como começou da Casa do
Caminho?
" Em 1980, um ano depois da desencarnação de meu pai, cedi meu
quarto a dois paralíticos. Foi quando se iniciaram os trabalhos da Casa do
Caminho. Eu tinha uma pequena economia e consegui tocar o trabalho por três
anos com um companheiro que chegou junto e até hoje aqui permanece. Depois
disso, quando eu já cuidava de quinze internos paralíticos,
a comunidade nos descobriu, o trabalho se fortaleceu e a obra foi
tomando vulto. O terreno pertencia à minha família e o doamos à
instituição. A parte que cabia
aos meus irmãos eu fiz permuta
com um terreno que lhes comprei, embora
de área menor. Meus irmãos tocam suas vidas,
mas me ajudam bastante, me
incentivam no trabalho."
FE
E não mais parou de crescer.
"O começo foi com uma geriatria,
de pessoas totalmente dependentes, às vezes havia alguns mais jovens,
mas eram paraplégicos.
Depois, chegaram os doentes
mentais. Eles vinham, queriam ficar, iam forçando, até que, quando não teve
mais jeito, tivemos que montar uma psiquiatria.
Nós funcionamos a psiquiatria de forma fechada por aproximadamente
cinco anos. Ela não tinha os eletrochoques, era uma coisa suave,
procurávamos dar muito amor aos pacientes,
embora fosse fechada, com aqueles períodos de internamento de 30 a 40
dias, uma coisa que hoje sabemos
não serem necessários.
Renovamos a psiquiatria através do hospital-dia, um trabalho que,
graças a Deus, nos tem dado muitas alegrias."
FE-
A geriatria em ambiente coletivo tem causado algum problema com
órgãos da saúde?
" Há problemas sim, e eles estão me dando um tempo para construir
novas enfermarias, com quartos separados. Já temos um projeto que passou
pelos órgãos da saúde e já foi aprovado. Agora,
temos de executá-lo, o
que não é tarefa fácil.
FE-
As quartos separados
atendem melhor os pacientes?
"Na parte afetiva, assim
como está, é muito
melhor, mas para as condições de trabalho,
os quartos são muito mais fáceis. Para o dia-a-dia os quartos
atenderão melhor, eu já estive analisando esse aspecto, mas, para a parte
afetiva, que é a mais importante, não vai ser bom, porque aqui eles se
comunicam, todos se conhecem. Embora
aqui tudo seja muito limpo, a
saúde pública não mais aceita este tipo de enfermaria. Eles fiscalizam,
cobram, embora a contribuição do Estado seja mínima, limitada a um
credenciamento parcial na psiquiatria, pois
lá atendemos cento e trinta pacientes,
e o credenciamento do SUS cobre apenas setenta e cinco."
FE
O que é o hospital-dia?
"No hospital-dia, que funciona
de segunda a sexta-feira, o paciente toma banho, almoça, janta, lancha e vai
para casa só para dormir. Os pacientes passam
os fins-de-semana com a família, para não perderem os vínculos
familiares e durante a semana, aqui, eles têm trinta e cinco atividades. Tudo
isso mudou muito a vida deles. Dos cento e trinta doentes que o hospital-dia hoje está
atendendo, boa parte viviam presos, fechados em manicômios, com muitos
traumas, uma vida difícil para
eles."
FE-
Como é feita a manutenção da casa?
"Aí é que vem o mistério. O
responsável pela manutenção
desta casa é o povo. Esses
duzentos e trinta internos mais cento e quinze funcionários são mantidos
pela comunidade, aliás, o povo.
Hoje temos a caravana que ajuda, aliás, nós trabalhamos aqui durante
treze anos só com voluntários. De
seis anos para cá é que registramos funcionários em carteira e hoje temos
os cento e quinze funcionários. A folha de pagamento é feita com um pequeno
credenciamento do SUS, um mínimo, mas abençoado, porque cobre a folha.
Essas construções novas, praticamente um novo hospital, foram erguidas
graças ao apoio da empresa CBMM
- Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, da família Moreira
Salles.
O diretor-geral da empresa, Dr. José Alberto de Camargo,
se sensibilizando com o trabalho da casa,
nos ajudou nestas construções que possibilitaram ampliar as
atividades. A manutenção do
dia-a-dia é feita pelo povo com roupas, remédios, comida. Eu digo para as
pessoas que é uma casa que não
tem nada, mas não falta nada;
quando se está refogando o arroz, o sal chega."
FE-
E na parte doutrinária?
"Temos a evangelização das crianças no domingo; os estudos da
mocidade na quarta- feira à
noite; reuniões públicas às segundas e
quintas-feiras, com palestras e distribuição gratuita da homeopatia, com
freqüência de mais de 650
pessoas.
Contamos com uma biblioteca de acesso ao público com aproximadamente
quatro mil livros. Realizamos um passe de cura especial, para portadores de
doenças que normalmente são emocionais como:
enxaquecas, úlceras, gastrites e coluna. Para ministrar o passe,
os interessado passam pela mesa e são remetidos à equipe
especializada pelo tratamento.
Nos dias de reuniões públicas, o
atendimento adentra a madrugada, pois o faço de forma individualizada,
conversando e orientando as pessoas.
Além disso, visito a Santa
Casa e percorro a periferia.
Temos um trabalho de orientação durante todos os dias, em horários
previamente agendados logo no começo do mês. Atendo durante uma hora
àqueles que querem conversar, que estão com depressão, em média de
6 a 8 pessoas todos os dias."
FE-
Você tem alguma faculdade mediúnica mais específica?
"Eu sempre tive uma facilidade muito grande em conviver com a
espiritualidade, sendo-me uma coisa muito natural. Na época de criança,
quando os meninos iam matar passarinhos ou nadar nos rios, eu ia conversar com
os espíritos, num recanto aqui nos fundos,
onde há uma fonte, em área que vai ser preservada pela casa. Nesse olho d'água, que
nunca secou, enquanto os meninos
brincavam, eu ficava a conversar
com os espíritos, um intercâmbio muito
natural, como ocorre até hoje.
O que para muitos é fenômeno, para
mim é coisa bem normal.
A esse respeito, eu tive
uma experiência no terceiro ano do Grupo Escolar, quando encabeçava
festas e tinha muita facilidade para aprender. Então a professora me
disse: "você senta aqui e vai preparar alguma coisa para a festa das
mães, que está atrasada, enquanto
eu vou passar as tarefas". E lá havia um punhado de folhas,
e eu recebi uma mensagem de André Luiz com trinta e cinco estrofes
falando sobre as mães e isso mexeu muito com o grupo, provocou ti-ti-ti e foi
escondida. Era assinada por André Luiz; foi a minha primeira psicografia.
Mas o meu trabalho não é esse de fazer psicografia. Eventualmente,
as recebo só para o gasto, consistentes em poesias ou preces, mas não
a faço habitualmente para o público, porque minha missão não é esta. Não
recebo cartas de pessoas desencarnadas, porque este não é meu trabalho.
A mediunidade se manifestou quando tinha onze anos de idade com aquelas
estrofes que tenho guardadas até hoje.
FE-
Você tem preocupações com o futuro da obra?
Penso nisso e, para tanto,
estamos estruturando a casa para aqueles que ficarem lhe dêem
continuidade. Já falei para os meninos que o nosso trabalho é o de
montar, logo vamos embora, mas
só de montar já estou feliz. Porque
para organizar isso aqui ainda vai muitos anos.
FE-
Hoje o Tadeu homem cedeu
lugar ao Tadeu missionário?
Isso é uma coisa que nunca me preocupou, sempre soube me
conduzir com naturalidade. É
um trabalho muito consciente, sem
problemas. A luta é grande, mas essa dificuldade não tenho, tanto em
relação a mim como aos três rapazes irmãos, todos solteiros, que aqui
igualmente trabalham com a mesma
consciência.
FE-
E você mora aqui mesmo na instituição?
Durmo aqui mesmo há dezenove anos, neste mesmo chalezinho.
Antigamente, como aqui era meu quarto e ao mesmo tempo,
o local das orações,
tinha que transportar a cama de dentro para fora, de fora para dentro todas as
segundas e quintas-feiras, para as reuniões serem realizadas, porque eu me
acostumei a dormir aqui, desde que o trabalho começou há dezenove anos.
Embora a cama fosse muito pesada, tinha que ser assim.
PUBLICADO
PELA FOLHA ESPIRITA, SÃO PAULO,
NOVEMBRO/99